Editoria: Vininha F. Carvalho 17/03/2006
A demanda turística internacional pelo Brasil, passada a retração econômica global de 2001, intensificada pelo ataque terrorista em Nova Iorque, restabeleceu-se a partir de 2004. E os fluxos do mercado externo seguem se expandindo em todo o mundo. O Brasil é beneficiado por esse cenário, conseqüência também da profissionalização de seu produto turístico realizada por agentes públicos e privados e implementadas, de forma efetiva, desde 1992.
No entanto, o desempenho do Brasil enquadra-se em um padrão conhecido, que não permite vislumbrá-lo, em curto e médio prazo, como grande objeto de consumo mundial. Privilegiar a propaganda não é o único caminho para desobstruir estrangulamentos históricos.
Estudar fluxos é preciso. Valorizar o turista local e intra-regional idem, diante das constatações da Organização Mundial do Turismo (OMT) de que 76% das viagens em 2020 serão de curta distância. E o Brasil, em função de suas características continentais e localização, não se beneficia diretamente dos principais destinos emissores do mundo.
Constata-se, ainda, a inobservância de algumas verdades indiscutíveis. Entre elas, o fato de que o turismo se relaciona, cada vez mais, com a experiência emocional, a materialização de sonhos e promessas de transformações que possam melhorar a chamada FIB - Felicidade Interior Bruta do cliente. Isso implica na oferta de produtos não comoditizados, que fujam da tradicional receita de "sol e praia" ou "serviços de qualidade" que se encontra em qualquer canto.
Paradigma dessa realidade é espelhado pela maior e mais importante cidade (industrial, comercial e cultural) da América Latina: São Paulo, megalópole que abriga mais de 70 mil eventos por ano e oferece 280 salas de cinemas, 120 teatros e casas de espetáculos, 71 museus, 12 mil restaurantes, dezenas de shoppings e ruas de comércio especializado, mais de 40 parques e vários dos produtos mais desejados pelos brasileiros: hotéis-butique, grifes nacionais e internacionais, atividade cultural e vida noturna intensas.
São Paulo, que hoje concentra 10,5% do PIB nacional, envaideceu-se por ter se transformado na maior cidade brasileira. E, em conseqüência, no principal portão de entrada internacional via turismo de negócios. Mas, satisfeita com essa condição, limitou-se. Limitação que a levou a não investir na criação de produtos inusitados para seduzir o imaginário do turista de negócios, de congressos, de eventos, de convenções, para que fique mais ao menos um dia, invocando o componente emocional. Esse turista, afinal, viaja por obrigação profissional, não por lazer. Não estimulado, retorna à origem tão logo conclui o trabalho.
Esse círculo nem um pouco virtuoso, ainda não decifrado pela totalidade da indústria brasileira do turismo, está começando a ser desconstruído na cidade de São Paulo. É preciso mudar posturas, para pensar e oferecer produtos capazes de sensibilizar o turista que aqui desembarca por obrigação. Mas que, conquistado, ampliará seu tempo de permanência, gerando empregos e beneficiando a comunidade. Meta pragmática - e freqüentemente repetida, às vezes vulgarizada - da indústria do turismo.
Por isso, a Prefeitura de São Paulo está investindo na criação e formatação de ofertas cujos valores econômicos e diferenciais maiores são a nossa cultura, o conhecimento, o inusitado. Macro-estratégias foram traçadas buscando posicionar e gerar percepções da cidade como capital de eventos, dos negócios, da vanguarda e do entretenimento da América Latina. Tarefa que não pode, exclusivamente, depender da administração municipal. A universidade e o setor privado têm de estar junto. Construindo uma identidade que gere uma percepção diferenciada.
Mas é imprescindível conquistar antes a alma do paulistano. Trabalhar sua auto-estima, fazer com que sinta orgulho de seu destino. Motivá-lo a, cada vez mais, "cantar sua aldeia". Daí as campanhas da São Paulo Turismo, "São Paulo meu destino" e "São Paulo mais bonita com você", para o público interno. Que ainda não conseguiu entender que sua cidade só será gostosamente consumível para o turista à medida que as suas múltiplas virtudes forem percebidas como qualidades indiscutíveis para seus cidadãos.
E a missão maior da prefeitura de uma cidade tão diversa como São Paulo é trabalhar na materialização de cenários urbanos e humanos cada vez mais dignos e agradáveis para os que aqui moram e visitam. Afinal, uma cidade é boa para o turista quando é boa para o cidadão que nela vive. A tese vai se provando mais e mais verdadeira.
Caio Luiz de Carvalho - Presidente da São Paulo Turismo, Professor da EAESP-FGV, Ex-presidente da Embratur e ex-Ministro do Esporte e Turismo