Mercado de carbono sob suspeita

Editoria: Vininha F. Carvalho 19/03/2007

A comercialização de créditos de carbono gerados por iniciativas de países em desenvolvimento é polêmica na opinião de especialistas e parlamentares que analisam seu real impacto ambiental e até mesmo comercial. Estabelecida pelo Protocolo de Kyoto, essa venda de créditos é uma alternativa de utilização de mecanismos de mercado para que os países desenvolvidos possam atingir os objetivos de redução de gases de efeito estufa.

Para alguns, os créditos comercializados serão quantitativamente muito inferiores ao total de gases de efeito estufa lançados. Outros acreditam que essa alternativa possa até incentivar a continuidade de emissão de gases pelos países desenvolvidos.

O fato é que a comercialização dos créditos do carbono está aumentando. Esse mercado funciona com o critério da adicionalidade, ou seja, é preciso que haja a absorção de dióxido de carbono da atmosfera (no caso de florestamento / reflorestamentos ) ou que se evite o lançamento dos gases do efeito estufa, com a aplicação em projetos como os de eficiência energética.

Diferentemente do se imaginava em princípio, o florestamento não tem sido explorado para esse fim no Brasil. Aqui, predomina o investimento no setor energético.

A pouca procura pelo florestamento se deve a uma regulamentação do Protocolo de Kyoto e pelo desinteresse dos compradores internacionais, em especial de países europeus, por essa produção. Eles temem que haja incentivo ao desmatamento, para que seja levantada nova floresta, com vista apenas a gerar lucros aos empreendedores.

– Também concordo que o desmatamento possa vir a acontecer para que alguns consigam comercializar o carbono, o que justifica o temor dos países europeus em comprarem carbono do florestamento. Mas acho que o Protocolo de Kyoto deveria aceitar a floresta madura no cômputo dos créditos, porque se estaria protegendo o que existe – afirma Sibá Machado (PT-AC).

Somente na Amazônia há 160 mil quilômetros quadrados devastados, principalmente pelo desmatamento, que no Brasil é o responsável por 75% da emissão de gases de efeito estufa.



Metas para redução de gases de efeito estufa:

Em vigência desde fevereiro de 2005, o protocolo internacional – assinado por mais de 140 países, obriga as nações industrializadas a diminuírem em 5,2% a emissão de gases como o dióxido de carbono e o metano, com base nos níveis gerados em 1990.

Dessa forma, foi criado o mercado mundial de Reduções Certificadas de Emissão (RCE), que possibilita a compra de créditos por meio dos sistemas de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), como o reflorestamento ou a captação de gás metano de aterros sanitários.
Para o professor da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo, o MDL pode funcionar em algumas circunstâncias, mas “não se pode negar que movimenta valores extremamente modestos”.

Não será essa panacéia toda que se espera, porque não tem tanto potencial. É algo mais comercial que ambiental – aposta.


Setor energético concentra projetos:

Desde a entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, 210 projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) foram apresentados no Brasil, dos quais 118 já estão aprovados pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima.

Com a vigência desses projetos, a expectativa é de que no primeiro período do Protocolo de Kyoto (2008-2012) haja redução de 195 milhões de toneladas de CO² equivalente (medida de referência utilizada para todos os gases de efeito estufa) – ou seja, 8% do total mundial projetado. Isso coloca o Brasil em terceiro lugar em redução de emissões, atrás da China, que projeta a redução de 1 bilhão de toneladas de CO² equivalente, e da Índia, que reduziria em 548 milhões.

As atividades no Brasil estão concentradas no setor energético, motivo pelo qual o CO² esteja inserido em 63% dos projetos, seguido pelo metano (CH4), com 36%, e óxido nitroso (N²O), com 1%.

Os projetos setoriais dividem-se principalmente em indústria energética (31%), energia renovável (22%) e aterro sanitário (12%), entre outros que praticamente excluem a recuperação de áreas degradadas com o plantio de florestas.

Segundo o professor Emilio La Rovere, coordenador do Programa de Planejamento Energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), o mercado de carbono mundial deverá movimentar US$ 30 bilhões até 2012 e o Brasil pode abocanhar até 10% deste montante, ou seja, US$ 3 bilhões.

– A maior parte dos projetos é feita exclusivamente por brasileiros, o que gera valor agregado e permite aos empreendedores vender pelo preço máximo possível – explica La Rovere.

O único problema é que a cotação da tonelada de CO² flutua consideravelmente. Em abril do ano passado, a tonelada chegou a ser comercializada a €$ 30, mas este ano despencou para €$ 1,5.



Iniciativas pioneiras na comercialização do créditos:

O projeto Novagerar foi uma das iniciativas pioneiras na comercialização do crédito de carbono, com a Central de Tratamento de Resíduos Nova Iguaçu (RJ). O aterro sanitário poderá gerar 2,5 milhões de toneladas de carbono equivalente até 2012. O montante foi comercializado com o governo da Holanda por $ 13 milhões.

Com o tratamento do chorume, é possível separar o gás metano que, em vez de ser lançado na atmosfera, é aproveitado, após transformação, em combustível para a geração de energia limpa que abastece a central de tratamento.

Construída para substituir o lixão de Nova Iguaçu, com 1 milhão de habitantes, a central irá gerar energia para abastecer os prédios públicos do município. E na área do antigo lixão já foram plantadas 20 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica.

A empresa Novagerar trabalha na construção de aterro sanitário em São Gonçalo (RJ) e em Petrolina (PE). Junto com o governo e o ministério público, busca gerar emprego para catadores de lixo, organizados em cooperativas de reciclagem.


Como funciona o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo:

- O Protocolo de Kyoto obriga os países industrializados a reduzir em 5,2% a emissão de gases de efeito estufa entre 2008 e 2012. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) permite aos países “devedores” de carbono compensar a emissão investindo em produção de energia limpa nos países em desenvolvimento, os “credores” de carbono.

- Criou-se o mercado mundial de Reduções Certificadas de Emissão (RCE). Cada tonelada deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera poderá ser adquirida pelo país com metas de redução.

- Contam para crédito de carbono o florestamento; a substituição, por biomassa ou biodiesel, de diesel ou carvão em caldeiras e meios de transporte; a captação de gás metano de aterros sanitários ou fazendas e o uso de energia solar ou eólica.

- Empresas poluidoras, que precisam reduzir a emissão de gases, compram as toneladas de carbono “seqüestradas” da atmosfera pela geração de energia limpa.

- Cálculos mostram a quantidade de dióxido de carbono a ser removida ou de gases de efeito estufa que deixará de ser lançada na atmosfera. Cada um dos seis gases tem seu potencial de aquecimento global (GWP). Por exemplo, o metano possui 23 GWP, sendo 23 vezes pior que o CO2.

- Como resultado, uma tonelada de óleo diesel trocado por biodiesel gera o direito a 3,5 toneladas de créditos; e um hectare de floresta de eucalipto absorve 12 toneladas de gás carbônico por ano.


Protocolo de Kyoto exclui floresta madura:

O plantio de árvores (florestamento e/ou reflorestamento) é um dos caminhos possíveis para a geração de créditos de carbono. Na presença de luz, as árvores em crescimento realizam fotossíntese, na qual retiram carbono da atmosfera, em forma de CO², e o incorporam à sua biomassa.

Na floresta madura, porém, o consumo e a produção de carbono apresentam níveis quase equivalentes, o que anula sua participação na redução de CO². Por isso, ela não é aceita como um mecanismo de desenvolvimento limpo proposto no Protocolo de Kyoto.

Fonte: Jornal do Senado