Campinas(SP) abriga a primeira Delegacia de Proteção Animal e Meio Ambiente

Editoria: Vininha F. Carvalho 15/03/2010

Campinas(SP) abriga, desde o dia 5 de março, a primeira unidade policial do Estado voltada ao combate aos maus tratos aos animais e ao meio ambiente. Comandada pela delegada Rosana Mortari, o departamento vai concentrar investigações que, maioria das vezes, acabavam apenas em boletins de ocorrência e não tinham prosseguimento para punir os agressores.

A proposta, defendida pelo Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais de Campinas e amparada pelo deputado estadual Jonas Donizette (PSB), é sensibilizar o sistema de segurança pública para o cumprimento das leis de defesa do meio ambiente e da proteção dos animais. Segundo o parlamentar, a Delegacia de Defesa dos Animais se inspira em modelos bem-sucedidos de inclusão social e cidadania, como a Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso e a Delegacia de Defesa da Mulher.

“É um projeto pioneiro que atende a uma demanda considerável da sociedade e que não contava com uma resposta efetiva para cumprimento da legislação baseada na Lei 9605, de crimes ambientais e contra os animais”, explica Jonas Donizette (PSB), que é vice-líder de governo na Assembleia Legislativa de São Paulo. Com o tempo, espera o parlamentar que a proposta venha a frutificar por outros municípios do Estado.

Conhecido por sua militância pela defesa do meio ambiente – o deputado é autor da Lei 13.580/2009, que instituiu o Programa Permanente de Ampliação de Áreas Verdes Arborizadas Urbanas no Estado de São Paulo – Jonas Donizette vê a iniciativa como um passo promissor em direção ao desenvolvimento humano e ambiental.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o parlamentar :

Ecotour: Por que o sr. resolveu abraçar esta causa?

Jonas Donizette - Sou um representante dos cidadãos. Quando alguém me procura com alguma reivindicação, eu me esforço para corresponder às expectativas. Além disso, tenho um histórico de defesa do meio ambiente, que é uma das bandeiras da minha atuação política. Fui procurado por Flávio Lamas, que é o presidente do Conselho Municipal de Proteção e Defesa dos Animais (CMPDA) de Campinas. Ele me pediu para lutar por essa causa. Com a proliferação dos animais de bichos de estimação, muitos compram os filhotes e depois, quando crescem, abandonam ou até matam, é preciso deter esse processo. Já que a pessoa resolveu ter um animal, ela precisa ter responsabilidade. É a questão da posse responsável dos animais.


Ecotour: A violência atualmente é devidamente punida, ou ainda existe algum tipo de impunidade?

Jonas Donizette - A situação é preocupante para todos aqueles que prezam os animais, sua inocência, e o amor que eles dedicam a nós. Há muita impunidade nessa área, o que é lamentável. Para piorar, ainda não “enxergamos” o problema, pois faltam dados sistematicamente colhidos que dêem uma noção precisa da situação. Entretanto, casos de maus-tratos emblemáticos terminaram por traumatizar a opinião pública e levaram protetores e ONGs a reivindicar uma atitude mais enérgica contra esse tipo de crueldade.

Essa bandeira da Delegacia de Proteção aos Animais, apesar de ter sido por algum tempo uma ideia não formatada, já vinha sendo esboçada. Mas um episódio ocorrido em Campinas, no dia 22 de fevereiro deste ano, deixou muitas pessoas indignadas e deu mais amplitude à causa: um pit bull foi morto ao ser arrastado por uma moto no bairro Nova Aparecida. Era preciso fazer algo, não especificamente como reação a essa lamentável história, mas por todas as que já tinham ocorrido e por aquelas que venham a acontecer. A resposta que consegui produzir, com o apoio do governo do Estado e com a força do clamor popular, foi a criação dessa delegacia, o que me deixa muito satisfeito.


Ecotour: Como surgiu a ideia da delegacia para cuidar de crimes contra animais? Os formadores de opinião e que tem o poder de mobilizar toda uma sociedade estão cumprindo devidamente seu papel profissional em relação aos maus-tratos aos animais?

Jonas Donizette – Era preciso deter a impunidade. Ao ouvir as reivindicações de entidades como a Associação de Amigos dos Animais de Campinas (AAAC), o Instituto de Valorização da Vida Animal (IVVA), a Amigos dos Animais de Sumaré (AAS), o Grupo de Apoio Voluntário aos Animais Abandonados (GAVAA), a Sociedade Protetora da Diversidade das Espécies (PROESP), a União Protetora dos Animais de Campinas (UPA), o Instituto Anjos do Meio Ambiente (AMA) e o Grupo de Apoio aos Animais de Rua (GAAR), vi que a situação exigia uma atitude à altura do clamor. Entendi que o caminho era uma ação enérgica do Estado para coibir esses abusos. Marquei uma audiência com o dr. Paulo Afonso Bicudo, delegado geral adjunto do Estado de São Paulo, que foi muito sensível a essa questão. A solução articulada foi a criação da delegacia. Trata-se de um projeto pioneiro. Vamos ver como vai funcionar em Campinas para depois estender a outras regiões do Estado. Mas as expectativas são as melhores possíveis e, em menos de uma semana, o índice de Boletins de Ocorrência registrados aumentou e o trabalho já começou a dar resultados.


Ecotour: Qual a importância deste espaço?

Jonas Donizette – O objetivo da criação dessa nova unidade policial foi tratar com mais atenção e eficiência às questões de agressões e maus-tratos a animais, assim como engajar a Polícia Civil na defesa do meio ambiente no Estado de São Paulo. É uma estratégia similar a propostas como a criação da Delegacia de Polícia de Proteção ao Idoso e da Delegacia de Defesa da Mulher. Os crimes contra o idoso e contra a mulher já existem e estão tipificados no nosso sistema jurídico, mas a criação dessas unidades fez com que a autoridade policial começasse a entender a especificidade dessas demandas. A questão dos animais é semelhante, e essa experiência está sendo articulada para desenvolver vivências e conhecimento. Com isso, será possível, no futuro, implantar mais unidades dessas no Estado. Acreditamos que toda cidade com mais de 100 mil habitantes tenha condição efetiva de fazer algo semelhante. É difícil criar, do dia para noite, uma nova estrutura inteira para São Paulo, de modo a defender os animais. A delegacia é uma experiência que, após ser consolidada, será difundida para outras cidades. Considero essa iniciativa um fato simbólico muito forte para coibir a crueldade contra os animais.


Ecotour: O que será mais difícil lidar neste tipo de delegacia?

Jonas Donizette – Bem, há acima de tudo o problema da sub notificação. Muitas vezes as pessoas veem situações de maus-tratos e não entendem que aquele ato é criminoso. Em outras, encontram-se animais mortos, resultados de agressões, mas não há investigação ou sequer o registro da ocorrência. Ainda não há em nosso país, a propósito, uma mentalidade de registro e monitoramento de crimes contra animais, o que torna essa iniciativa da Polícia de São Paulo ainda mais louvável.


Ecotour: Quais as condutas consideradas como maus-tratos e que são, conforme a legislação tipificadas como crime?

Jonas Donizette – O Decreto-Lei 24.645/1934 estabelece que todos os animais existentes no País são tutelados do Estado. Há ainda a Lei 9.605/1998, que é a Lei dos Crimes Ambientais, que prevê, nos seus artigos 15, 32 e 54, punições contra violências praticadas em animais.

Em relação ao Decreto-Lei 24.645/1934, o texto prevê, no seu artigo 3, 31 situações de maus-tratos, conforme relaciono abaixo:

1.Os atos de abuso e crueldade;

2.Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;

3.Obrigar animais a trabalhos excessivos;

4.Golpear, ferir ou mutilar voluntariamente qualquer órgão ou tecido;

5.Abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado;

6.Não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongado, a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;

7.Abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação;

8.Atrelar num mesmo veículo, instrumento agrícola ou industrial, bois com porcos, ou com burros ou com jumentos;

9.Atrelar animais a veículos sem os apetrechos indispensáveis;

10.Utilizar em serviço animal cego, ferido, enfermo, extenuado ou desferrado;

11.Acoitar, golpear ou castigar por qualquer forma a um animal caído sob o veículo ou com ele;

12.Descer ladeiras com veículos de reação animal sem a utilização das respectivas travas, cujo uso é obrigatório;

13.Deixar de revestir com couro ou material com idêntica qualidade de proteção as correntes atreladas aos animais de arreio;

14.Conduzir veículo de tração animal, dirigido por condutor sentado, sem que o mesmo tenha boleia fixa e arreios apropriados;

15.Prender animais atrás dos veículos ou atados a caudas de outros;

16.Fazer viajar um animal a pé mais de dez quilômetros sem lhe dar descanso;

17.Conservar animais embarcados por mais de doze horas sem água e alimento;

18.Conduzir animais por qualquer meio de locomoção, colocados de cabeça para baixo, de mãos ou pés atados, ou de qualquer outro modo que lhes produza sofrimento;

19.Transportar animais em cestos, gaiolas, ou veículos sem as proporções necessárias ao seu tamanho e número de cabeças, e sem que o meio de condução em que estão encerrados esteja protegido por uma rede metálica ou idêntica que impeça a saída de qualquer membro do animal;

20.Encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente;

21.Deixar sem ordenhar as vacas por mais de vinte e quatro horas;

22.Ter animal encerrado juntamente com outros que os aterrorizem ou molestem;

23.Ter animais destinados à venda em locais que não reúnam as condições de higiene e comodidade;

24.Expor nos mercados e outros locais de venda, por mais de doze horas, aves em gaiolas, sem que se faca nestas a devida limpeza e renovação de água e alimento;

25.Engordar aves mecanicamente;

26.Despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos à alimentação de outros;

27.Ministrar ensino a animais com maus-tratos físicos;

28.Exercitar tiro ao alvo sobre pombos;

29.Realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente;

30.Arrojar aves e outros animais nas caças e espetáculos exibidos para tirar sorte ou realizar acrobacias;

31.Transportar, negociar ou caçar em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações para fins científicos, consignadas em lei anterior.


Ecotour: Existe algum tipo de pesquisa que revela o perfil das pessoas que agridem os animais?

Jonas Donizette – Como destaquei anteriormente, não há registros sistemáticos sobre esse tema, mas eu tenho uma convicção: a pessoa que é capaz de praticar violência contra um animal, será capaz também de praticar violência contra pessoas. Não é só a defesa do animal, mas a possibilidade de detectar indivíduos que tenham esse potencial de violência. Nos EUA, um estudo recente comprovou que entre os crimes com requintes de crueldade, o criminoso teve, na infância, histórico de maus-tratos a animais. Ou seja, ele começa maltratando animais e depois passa essa agressividade para outros seres humanos.


Ecotour: Quais as propostas da delegacia à coletividade para combater a crueldade contra os animais, defendendo-os do sofrimento e da morte?

Jonas Donizette – A dra. Rosana Mortari, que é a delegada responsável pela nova unidade, localizada no 4º Distrito Policial de Campinas, tem se destacado pela dedicação à luta na defesa dos animais. A função policial é principalmente repressora, mas também educativa. Em primeiro lugar, ela vai centralizar as ocorrências policiais. Os casos continuarão a ser registrados nos 13 DPs de Campinas, mas serão encaminhados à nova delegacia. A dra. Rosana Mortari será a responsável pelas investigações. O trabalho será voltado não apenas à investigação policial, mas serão desenvolvidas também ações educativas, para conscientizar a população.


Ecotour: Os trabalhos das entidades ou ONGs são suficientes para vigiar e conscientizar contra os maus-tratos?

Jonas Donizette – Certamente, sob vários aspectos. Foi a mobilização dessas instituições que terminou canalizando o clamor popular para a criação dessa delegacia. O poder público tem de fazer o seu papel, mas a ação dessas entidades é de grande valia para a causa.


Ecotour: O movimento de proteção animal registra avanço em São Paulo, com a efetiva implementação desta delegacia. Como os outros municípios poderão também obter este benefício?

Jonas Donizette – Como já destaquei, a criação da Delegacia de Defesa dos Animais e do Meio Ambiente começa como um projeto pioneiro, que vai reunir vivências e conhecimento. No futuro, teremos certamente mais unidades como essas no Estado. Temos de dar tempo ao tempo, para que a proposta amadureça e frutifique. Além disso, cada cidade tem suas peculiaridades e toda mudança e aperfeiçoamento nascem das necessidades apontadas nas lutas da comunidade. Campinas deu um exemplo que certamente será copiado.


Ecotour: Uma nova ética ante os animais será capaz de aperfeiçoar a ética entre os humanos?

Jonas Donizette – O grande cientista britânico Charles Darwin (1809-1882) disse que a compaixão para com os animais é uma das mais nobres virtudes da natureza humana. O princípio bíblico de amar ao próximo ganha uma dimensão mais dramática e transcendente quando consideramos não só a todos, mas a tudo que nos cerca, como dignos de compaixão e respeito.

Ética, como o filósofo grego Aristóteles mencionava, tem origem na palavra “hábito”. Temos de reeducar nossos hábitos, para conquistarmos uma nova ética, uma ética fundamentada no respeito a tudo que nos cerca. Uma ética fundamentada no amor, na fraternidade, e na comunhão com a natureza.

Fonte: Vininha F. Carvalho - diretora da Del Valle Editoria