Na Zona da Mata Mineira, o queijo caseiro fascina os visitantes

Editoria: Vininha F. Carvalho 31/01/2011

No alto da Serra do Ronca, no município de Descoberto, MG (338 km de Belo Horizonte, o pequeno produtor Gilson José de Paula acorda cedo diariamente para ordenhar suas quatro vaquinhas no Sítio Bela Vista e iniciar uma rotina que lhe dá um rendimento.

Com uma média de 28 litros de leite ele prepara até oito queijos de aproximadamente 700 gramas cada um, que são vendidos por ele na área urbana da pequena cidade mineira, distante cinco quilômetros dali. Em muitas das vezes ele nem precisa sair do sítio. “Vem gente de São Paulo, Rio de Janeiro, Petrópolis e de Juiz de Fora para comprar comigo”, revela.

Como ele, inúmeras famílias da Zona da Mata mineira também apostam no queijo fresquinho, feito em casa ou nas pequenas chácaras, para fascinar turistas, viajantes e ex-moradoras da região que visitam parentes durante as férias de fim de ano. Nesta época, o preço do leite sempre cai em função do período de safra e a saída é agregar valor utilizando o produto para fazer queijos e demais derivados.

Em outras regiões, este tipo de queijo também é conhecido como “frescal”, “verde” ou “caipira”, mas em nenhum outro lugar é tão disputado e venerado como nesta parte de Minas, sobretudo pela sua proximidade com grandes centros consumidores brasileiros. Com algumas horas de viagem se está em Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro ou São Paulo. Talvez apenas dois outros produtos regionais se aproximam em charme e demanda: a lingüiça e a cachaça.

Quem circula pelas cidadezinhas da Zona da Mata – mesorregião mineira que faz divisa com o Estado do Rio de Janeiro e com o sul do Espírito Santo – invariavelmente percebe que o cheiro do queijo fresco paira no ar. Se não houver aroma, a visão não deixa escapar. O queijo artesanal está em quase todos os lugares: nas pequenas padarias, às margens das estradas, no boteco da esquina, nas feiras, mercados e onde mais se possa imaginar. É difícil encontrar quem mora na roça e não faz queijo. E muito menos quem não o coma.

“Seu” Gilson, de Descoberto, trata seu produto final como uma verdadeira preciosidade: “meus queijos são famosos mesmo!” Ele vende cada peça de aproximadamente 700 gramas por R$ 7,00, mas não tem a mínima idéia do seu custo de produção. Com o rosto calejado e marcado por anos de lida pesada no campo, “seu” Gilson é aposentado como trabalhador rural e, aos 65 anos, produz seus queijos para complementar a renda e dar um pouco mais de conforto para ele e sua mulher. Experiência não falta. “Faço queijo desde menino”, garante, enquanto retira o soro do leite no coalho, nos fundos de sua casinha, ao lado do fogão de lenha.

Mas fazer este trabalho no alto da serra tem seus percalços. O fato de não ter idéia do seu custo de produção acontece, em parte, por isso. “Dia desses uma vaca rolou do barranco e se machucou toda, uma outra torceu a pata em um buraco de tatu e agora minha mulher caiu e quebrou a bacia (*); estou tendo de fazer queijo sozinho”, conta “seu” Gilson através de um incontido e harmônico “mineirês”.

A receita ele não dá, mas garante que os ingredientes para um bom queijo fresco artesanal são quatro: leite, coalho, sal e asseio. Sobre o último item ele explica: “tudo aqui tem de estar muito limpinho; os panos que uso pra coar são todos branquinhos”. Ele ainda conta um “segredo” para o acondicionamento na geladeira: “tem de virar o lado do queijo fresco diariamente para manter a qualidade”.

Mais artesanal e caseira do que a pequena produção de Alice Fernandes Duarte, é praticamente impossível. Moradora no povoado de Taruaçu, distrito de São João Nepomuceno (310 km de Belo Horizonte), ela levou a reportagem para a cozinha de sua casa onde diariamente prepara seus queijos. O leite vem da fazenda da família, distante quatro quilômetros. Com quatro ou cinco litros, faz um queijo por dia. “Sempre levo para a minha irmã que mora em São João e dou também para a minha outra irmã de Brasília quando vem me visitar”, conta.

Aposentada há seis anos como doméstica, dona Alice vende esporadicamente seus queijos, mas não os faz com este objetivo. “Vendo a forma por R$ 4,50 ou R$ 5,00, mas nem peso; no final ganho só um pouquinho, nem chega a R$1,00 por unidade”, conta. Esta atividade, para ela, serve como uma ocupação e até como um passatempo diante da rotina do povoado. “É mais uma coisinha que faço em minha vida”, diz.

Em escala sensivelmente maior está a produção artesanal do pecuarista Ewerton do Amaral Jardim Júnior, mais conhecido como Juninho. Com um rebanho de 35 cabeças, usa todos os 160 litros diários de leite na fabricação dos queijos fresco, bolinha, mussarela, cavalo e ricota. No entanto, garante: “de 70% a 80% de nossa demanda é pelo queijo frescal”.

Para isso, ele reserva cinco dias da semana exclusivamente para a sua produção, que é feita na fazenda da família, próximo da Comunidade dos Machados em Bicas, MG (285 km da Capital).

Em média, consegue produzir 1.000 peças/mês e garante que até 30% tem como destino o Rio de Janeiro. “Vendo uma média de 300 formas ao mês para os cariocas, o restante comercializo aqui mesmo na região”, explica. A um custo de aproximadamente R$ 2,50 por unidade (com o litro do leite pago ao produtor na faixa dos R$ 0,50 na safra), Juninho vende a peça de 750 gramas por R$ 5,00. Na pequena feira, no centro de Bicas, nas manhãs de sábado, ele praticamente zera o estoque. “Se eu não fizesse queijo já tinha largado a fazenda. Quem só vende leite está apertado”, comenta.

Há mais de 30 anos sua família investe em derivados do leite, tanto é que muita gente da região sempre procura pelo “queijo da Lúcia”, nome da mãe de Juninho, que hoje aposta na comercialização de frango ao molho pardo congelado (também vendido na feirinha de Bicas), deixando a pecuária leiteira para os filhos. Ser chamado de “Juninho”, por sinal, contrasta com os seus 130 quilos de peso, mas ajuda no marketing familiar. “Minha mãe sempre comenta com outras pessoas que sou forte por ser alimentado com nosso queijo há 30 anos”, conta.


Fonte: Ariosto Mesquita